• Açúcar – o novo vilão?

     

    Você colocaria o açúcar ao lado do álcool e do tabaco como substâncias prejudiciais à saúde? Pois pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, colocaram. Um artigo publicado na conceituada revista Nature considerou que o consumo exagerado do açúcar – que triplicou nos últimos 50 anos – está contribuindo para a verdadeira epidemia em que se tornou a obesidade no mundo e, pior, está ligado ao surgimento de doenças crônicas não contagiosas, como diabetes, câncer e problemas cardíacos.

    As afirmações do estudo encontram respaldo nos índices crescentes desse tipo de enfermidade. Em 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que, pela primeira vez na história, as doenças crônicas não transmissíveis representam um ônus maior para a saúde pública mundial do que as doenças infecciosas, sendo responsáveis pela morte de 35 milhões de pessoas por ano – 80% em países pobres ou em desenvolvimento, onde, por sinal, o refrigerante muitas vezes é mais barato que água potável ou leite.

    No entanto, de modo geral, os grandes vilões da saúde continuam sendo a gordura e o sal. O açúcar costuma ter um papel secundário, sendo muitas vezes considerado apenas uma fonte de "calorias vazias", cujo risco estaria associado mais a uma questão estética do que diretamente à saúde. Mas isso vem sendo cada vez mais contestado: evidências científicas mostram que o excesso de açúcar no organismo pode desengatilhar processos tóxicos ou reações capazes de causar uma série de doenças crônicas. Segundo o artigo, alimentos altamente adoçados alteram o metabolismo, aumentando a pressão arterial, interferindo no funcionamento dos hormônios e provocando danos ao fígado – problemas semelhantes aos provocados pelo excesso de álcool, por exemplo.

    Ao adentrar neste tema, o artigo norte-americano levanta uma questão: cabe ao estado regular o setor de alimentação do mesmo modo como faz com a indústria do álcool e do cigarro? Para Robert Lustig, Laura Schmidt e Claire Brindis, autores do estudo, sim, o açúcar deveria ter controle semelhante ao desses produtos – os quais, em geral, são regulados pelo governo como forma de proteger a saúde da população. Segundo eles, a regulação deveria incluir medidas como o aumento de impostos sobre alimentos industrializados acrescidos de açúcar (como refrigerantes, sucos, achocolatados e cereais), a limitação das vendas em horário escolar e em ambientes de trabalho e a imposição de limites de idade para a compra.

    Os pesquisadores chamam a atenção para o fato de que medidas individuais de redução de açúcar não são suficientes para dar um fim ao problema. Eles não defendem a proibição, mas sim que sejam implementadas ações que tornem o consumo de açúcar menos conveniente e que aumentem as opções e o acesso a alimentos mais saudáveis. No entanto, admitem que não seria simples aprovar e aplicar regras desse tipo, pois os alimentos são considerados bens essenciais, ao contrário do álcool e do tabaco.

    Mas, mesmo ainda tímidas, já existem iniciativas pelo mundo para tentar frear o consumo excessivo de açúcar. Na Europa, a Dinamarca considera tributar os doces depois de taxar, em outubro de 2011, alimentos ricos em gordura saturada. Outros países europeus e o Canadá tentam impor pequenos impostos sobre alimentos adoçados. Os EUA (a começar pela cidade de Nova York, como já noticiamos aqui) já consideram taxar o refrigerante. E a cidade de São Francisco, na Califórnia, recentemente proibiu a oferta de brinquedos na compra de lanches, um tipo de promoção popular nas redes de fast food.

    No Brasil, as crianças são o principal objetivo das tentativas de promover uma alimentação mais saudável. Embora o açúcar não seja particularmente seu alvo, um projeto de lei do senador Eduardo Amorim (PSC-SE), a exemplo do que aconteceu na cidade californiana, propõe a proibição a lanchonetes, restaurantes ou quaisquer estabelecimentos de distribuir brindes, brinquedos ou outros objetos de apelo infantil associados a refeições. O texto tramita nas comissões do Senado, tendo sido aprovado pela Comissão do Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), mas ainda tem um longo caminho até chegar à Câmara dos Deputados. E o Projeto de Lei 5.921 – que há 10 anos tramita no Congresso, e sobre o qual já falamos aqui –, pretende proibir a propaganda infantil e a participação de crianças em qualquer tipo de anúncio publicitário.

    Importante ressaltar que os problemas apontados pelo artigo da revista Nature estão ligados ao exagero no consumo de alimentos açucarados, como o que se constata nos Estados Unidos em relação ao refrigerante – um cidadão americano consome em média 216 litros por ano, dos quais 58% contêm açúcar. Mais uma vez, a moderação é a palavra-chave para fugir dos efeitos prejudiciais de um ingrediente tão importante para a alimentação humana. Afinal, a não ser nos casos em que alguma doença, como o diabetes, exija a restrição total, deixar de comer aquela deliciosa sobremesa no final de semana não parece ser uma opção – e certamente não é esse tipo de hábito que levará alguém a desenvolver problemas graves de saúde.

    Entenda o que são doenças crônicas não transmissíveis
    São doenças como as cardiovasculares, respiratórias crônicas e o diabetes, que têm como fatores de risco comportamentos modificáveis ou não. Tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas, obesidade e maus hábitos alimentares são alguns dos fatores de risco modificáveis. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essas doenças são responsáveis por 58.5% das mortes mundiais e por 45,9% da carga global de doenças. No Brasil, essa tendência não é diferente: dados do Ministério da Saúde mostram que essas doenças são responsáveis por 75% da receita do Sistema Único de Saúde (SUS).