• Doença para uns, dieta para outros

     

    Dietas da moda existem há muito tempo. Tem a dos pontos, a do tipo sanguíneo, a do Dr. Atkins, a de Southbeach e até a da papinha de nenê. Quanto mais celebridades adotam uma determinada dieta – e quanto mais magras e saradas elas aparecem nas capas das revistas –, mais popular ela se torna. Imediatamente, milhares de pessoas aderem aos mesmos métodos, sejam eles quais forem, para tentar eliminar peso e gordura.

    Nessa linha, chama a atenção a quantidade de pessoas que, de uma hora para outra, passaram a se declarar intolerantes a duas substâncias presentes em grande parte dos alimentos que consumimos diariamente. De repente, o pãozinho do café da manhã, a cervejinha da happy hour, a pizza, o macarrão, o iogurte, os queijos e a maioria dos doces e salgados tornaram-se terminantemente proibidos. Não exatamente porque eles podem ser ricos em carboidratos ou gorduras, mas sim porque contêm glúten ou lactose.

    Glúten, esse desconhecido
    O glúten era um completo estranho para a maioria das pessoas até que estudos científicos apontaram que a doença celíaca, antes considerada rara, era mais comum do que se imaginava, chegando a atingir 1% da população. A partir dessa descoberta, entrou em vigor no Brasil, em 2003, uma lei que obriga os fabricantes de alimentos a informar nos rótulos as frases "contém glúten" ou "não contém glúten". O alerta, obviamente, serve para evitar que celíacos adquiram produtos prejudiciais à sua saúde, mas acabou despertando a curiosidade dos consumidores em geral: afinal, glúten é bom ou ruim?

    O glúten nada mais é do que uma proteína vegetal presente no trigo, na aveia, no centeio, na cevada e no malte. Ou seja, alimentos como pães, massas, bolos e salgados normalmente contêm o nutriente, assim como a cerveja e o uísque. No organismo dos celíacos, que não possuem a enzima responsável por “quebrar” o glúten, ele pode provocar reações como diarreia crônica, distensão e dor abdominal, desnutrição, vômitos, prisão de ventre, flatulência e irritabilidade. O único tratamento possível é riscar a proteína definitivamente do cardápio, pois não há cura nem medicamentos para a doença.

    Mas as restrições que eram um problema exclusivo dos celíacos transformaram-se, de repente, na controversa “dieta sem glúten”. Com o objetivo de enxugar a silhueta, muita gente baniu essa proteína da alimentação mesmo sem apresentar intolerância ou, no mínimo, sem passar por um diagnóstico adequado. A dieta divide especialistas e não tem comprovação científica quanto à sua eficácia. “A perda de peso associada à retirada do glúten ainda não está esclarecida. Sem dúvida, a maneira ideal e saudável de emagrecer continua sendo melhorar os hábitos alimentares e praticar atividade física regularmente. Outros meios são totalmente contraindicados”, explica Marcia Falcão, nutricionista da Sabor Caseiro.

    O que se sabe é que o glúten, por si só, não engorda. A explicação mais plausível para os diversos relatos que têm surgido de pessoas que perderam peso com a dieta sem glúten é que o corte da proteína leva à troca de alguns tipos de alimentos por outros que, muitas vezes, são mais saudáveis. Por outro lado, trata-se de uma dieta altamente restritiva e muito difícil de ser seguida. Portanto, não pode – nem deve – ser para todos.

    Leite e derivados na berlinda
    Assim como o glúten, a lactose também tem sido retirada da alimentação com a finalidade de emagrecer. Existem dietas, inclusive, que apregoam a retirada dos dois nutrientes ao mesmo tempo, o que leva a uma restrição excessiva – e perigosa – de alimentos. Não entre nessa: a intolerância a esse glicídio, provocada pela deficiência na produção da enzima lactase (responsável pela digestão do açúcar do leite), é um problema sério que também precisa ser adequadamente diagnosticado e tratado.

    Pesquisas científicas mostram que a intolerância à lactose atinge, em algum nível, cerca de 50% da população adulta no mundo. Com sintomas semelhantes aos sentidos pelos celíacos, como dores abdominais, gases, sensação de inchaço, cólicas e diarreia, a deficiência pode ser congênita (mais rara, quando acomete bebês), genética (quando se desenvolve principalmente na infância e se estende ao longo da vida) ou adquirida (causada por lesões intestinais ou outras patologias).

    O que muitas vezes se ignora é que existem diferentes níveis de intolerância à lactose. Por meio de exames clínicos, é possível identificar a quantidade de lactase produzida pelo corpo: algumas pessoas podem ter uma deficiência mínima, enquanto outras simplesmente não a produzem. Ou seja, o tratamento não necessariamente requer o corte total do leite e de seus derivados – em muitos casos, uma redução já é suficiente. “A partir do diagnóstico, é fundamental procurar orientação médica e nutricional quanto aos alimentos a serem evitados e aos que devem ser introduzidos como substitutos na alimentação diária, não apenas para melhorar o quadro, mas também para garantir o aporte necessário de vitaminas e minerais”, explica Annia Rossini, acadêmica de Nutrição e supervisora de produção da Sabor Caseiro.

    De fato, os intolerantes à lactose precisam lidar com a deficiência de nutrientes importantes. O cálcio, sem dúvida, figura no topo dessa lista: a falta do mineral faz com que o organismo busque as reservas ósseas, o que pode levar à osteoporose. Para que isso não aconteça, é preciso manter os níveis de cálcio no sangue em equilíbrio, sendo que a demanda é maior na infância e na adolescência e durante a gravidez e a lactação. Como cerca de 70% do cálcio da alimentação humana vêm do leite e de seus derivados, o que se recomenda é manter, na medida do possível, uma dieta com ingestão de pelo menos alguns produtos lácteos, em uma quantidade que seja bem tolerada pelo organismo. 

    O site http://www.semlactose.com/ é uma boa fonte de informações sobre a intolerância à lactose. Já os portadores da doença celíaca encontram apoio na Associação dos Celíacos do Brasil (www.acelbra.org.br).

    Referência técnica: Barbosa, Cristiane Rickli; Andreazzi, Marcia Aparecida. Intolerância à Lactose e suas Consequências no Metabolismo do Cálcio. Revista Saúde e Pesquisa, v. 4, n. 1, p. 81-86, jan./abr. 2011.