• Sujou, pagou

     

    Sofá, fogão, geladeira, colchão, carrinho de bebê, bicicleta, panelas, piscina plástica, roupas, chinelos, sapatos, isopor, lonas, mamadeiras.

    Esta poderia ser uma lista de itens a serem levados para um longo veraneio no litoral, certo? Mas não é: na verdade, são alguns dos “objetos” encontrados ao longo do Arroio Dilúvio, em Porto Alegre, durante operação realizada pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) em maio deste ano. Entre as 230 toneladas de material, também foram retirados canos de PVC, vasos de plantas, garrafas pet, sacolas plásticas, cadeiras de rodas, carcaças de automóveis, eletrodomésticos e de um telefone público, embalagens longa-vida e nada menos que 625 pneus.

    Mas afinal, quem são as pessoas que jogam geladeiras, bicicletas e pneus no Arroio Dilúvio? Serão as mesmas que jogam baganas de cigarro pelas ruas da cidade ou latas de refrigerante pela janela do carro? As mesmas que saem da lanchonete comendo apressadas, deixando atrás de si um rastro de guardanapos sujos de ketchup? As mesmas que colocam seu lixo doméstico na calçada em dias em que não há coleta?

    Difícil saber, mas talvez o anonimato desses “sujões” esteja com os dias contados. No início de setembro, a Prefeitura de Porto Alegre protocolou na Câmara de Vereadores um Projeto de Lei Complementar que prevê multa para o descarte irregular de resíduos. A lei, que ainda precisa ser aprovada pelo Legislativo, é inspirada na experiência do Rio de Janeiro, onde vigora desde agosto. Lá, apenas no primeiro mês, foram aplicadas 1.890 multas a pessoas flagradas sujando as ruas de bairros como Centro, Copacabana, Ipanema, Leblon, Lagoa, Gávea e Jardim Botânico. No mesmo período, houve redução de aproximadamente 46% no volume de resíduos sólidos removidos das ruas pelas equipes de limpeza nessas regiões.

    Em Porto Alegre, a autuação será aplicada de forma semelhante ao que ocorre no Rio: os fiscais abordam o infrator e solicitam um documento de identificação para que a guia da multa seja emitida. Se a pessoa não pagar até a data estipulada, ficará com o nome “sujo” na praça, ou seja, poderá ter dificuldades para pedir empréstimos ou fazer compras a prazo. O projeto divide as infrações em quatro categorias, de acordo com a gravidade: leve (R$ 263,82), média (R$ 527,65), grave (R$ 2.110,60) e gravíssima (R$ 4.221,21). Na mira dos fiscais estará não apenas o cidadão comum, mas também empreendedores, proprietários de bares, restaurantes, terrenos baldios e imóveis, feirantes e vendedores ambulantes.

    Quando dói no bolso

    A capital gaúcha segue uma tendência nacional. Várias cidades brasileiras também aguardam a aprovação de leis prevendo multas para quem jogar lixo na rua ou em espaços públicos, entre elas Goiânia (GO), Joinville (SC), Juiz de Fora (MG) e Recife (PE). Parece que o problema, que afeta em maior grau os grandes centros urbanos, chegou ao limite. Em uma enquete realizada pelo portal iG com seus usuários, “jogar lixo na rua” foi escolhido como o pior hábito do brasileiro, com quase 16 mil votos. Em segundo lugar, com 6,5 mil votos, apareceu “ignorar as leis de trânsito”.

    Mas se o problema da sujeira urbana incomoda tanto as pessoas, por que ainda persiste? O motivo pode ser cultural e histórico: o brasileiro enxerga o que é público como algo que não lhe pertence, pois é considerado do Estado e não da coletividade. Assim, a rua não é “de ninguém” e, portanto, não há por que respeitá-la. Para mudar essa realidade, seria necessária uma profunda mudança de comportamento – e é justamente nesse aspecto que a multa do lixo recebe mais críticas. Muitos argumentam que se trata de uma questão de educação e não de punição – se todos forem desde cedo educados a não jogar lixo na rua, o problema deixará de existir. Há também quem coloque em dúvida a capacidade do governo de fiscalizar os cidadãos – seria apenas mais uma lei que não vai “pegar”.

    No entanto, o que se vê ao redor do mundo são iniciativas muito semelhantes – e, em vários casos, bem mais rigorosas – que já dão certo há tempos. A cidade de Singapura, uma das mais limpas do mundo, aplica multas pesadas a quem descarta lixo no chão – de R$ 615 a R$ 10.285. Em Miami, nos Estados Unidos, uma lei estadual determina multas que começam em R$ 105 e podem chegar a R$ 20.565 – e o infrator tem a obrigação de retirar o respectivo lixo. Em Londres, no Reino Unido, uma das campanhas mais populares é a que lembra que um simples chiclete jogado no chão pode custar aproximadamente R$ 240. 

    Se cidades e países considerados exemplos de limpeza urbana – e com níveis de educação e cultura bem mais elevados que os nossos – têm a prática da sanção financeira aos que emporcalham as ruas, é de se apostar que a estratégia da “dor no bolso” pode dar certo também no Brasil. Foi assim que o país aceitou o uso do cinto de segurança e conseguiu restringir o consumo de bebidas alcoólicas por motoristas, só para citar dois exemplos. Sob essa lógica, parece que a punição pode ter, sim, um efeito educativo, principalmente se a população já tem consciência de que sujar as ruas não é correto. No Rio, segundo matéria do jornal O Globo, foram poucos os que se negaram a apresentar documento de identificação. Os autuados normalmente admitiam o erro cometido, procurando se justificar com algum tipo de desculpa, entre elas as clássicas “eu nunca faço isso”, “não encontrei lixeira” e “não estava sabendo da lei”.

    Porto Alegre ainda longe do ideal

    A capital gaúcha foi a primeira cidade do país a contar com uma Secretaria Municipal do Meio Ambiente, criada em 1976. Também é considerada uma das cidades mais arborizadas do Brasil, com aproximadamente 17m² de área verde por habitante. A coleta seletiva, outra iniciativa pioneira, começou a ser implementada no início da década de 1990 nos bairros residenciais; hoje, beneficia toda a cidade e resulta em 60 toneladas de resíduos sólidos encaminhados diariamente a Unidades de Reciclagem organizadas por cooperativas de catadores.

    Apesar desses aspectos positivos, Porto Alegre está visivelmente mais suja, o que indica que a questão do lixo ainda é um ponto sensível da gestão ambiental. Tratar o problema como algo que afeta não apenas a qualidade de vida da população, mas também a imagem da cidade – o que, com a proximidade da Copa do Mundo, torna-se mais uma fonte de preocupação para as autoridades –, é crucial para que as medidas punitivas surtam o resultado desejado. E que esse resultado não seja outro senão uma cidade mais limpa, bela e aprazível para moradores e visitantes.

    Empresas também podem fazer a sua parte

    Na Sabor Caseiro, um projeto implantado em 2008 vem garantindo que a grande quantidade de resíduos recicláveis gerados pela produção de refeições tenha descarte correto. Os materiais são vendidos para cooperativas de reciclagem e a arrecadação é revertida para um fundo utilizado pelos próprios funcionários. Trata-se de um trabalho colaborativo com importante papel educacional e de conscientização ambiental, que requer a participação e o engajamento de toda a equipe para que a separação seja feita corretamente. Já os resíduos orgânicos são recolhidos e aproveitados na suinocultura, em parceria com o DMLU; em contrapartida, os suinocultores auxiliam entidades assistenciais de Porto Alegre.